A natividade Agora, um aparte: chamar de "anos ocultos" apenas a juventude de Jesus é injustiça. O nascimento também é uma incógnita completa. A começar pela data de nascimento: 25 de dezembro era a data em que os romanos celebravam sua festa de solstício de inverno, a noite mais longa do ano. Não porque gostassem de noites sem fim, mas porque ela marcava o começo do fim do inverno. Praticamente todos os povos comemoram esse acontecimento desde o início da civilização - nossas festas de fim de ano, a semana entre o Natal e o Ano-Novo são um reflexo disso. O dia em que Jesus nasceu não consta na Bíblia - foi uma imposição da Igreja 5 séculos depois, para coincidir o nascimento do Messias com a festa que já acontecia mesmo - com troca de presentes e tudo.
"Na verdade, não sabemos nada histórico sobre Jesus antes de sua vida pública, já que os dois primeiros capítulos de Mateus e Lucas [os que relatam o nascimento] são basicamente parábolas, não história", diz Crossan. De acordo com Mateus, José soube num sonho que Maria daria à luz um menino concebido pelo Espírito Santo. Quando Jesus nasce, magos surgem do Oriente e seguem uma estrela que os conduz a Jerusalém. Lá, eles ficam sabendo que o Cristo nasceu em Belém. Seguindo a estrela, os magos chegam à cidade para adorar o menino e lhe regalam com ouro, incenso e mirra. Mas Herodes fica perturbado com o nascimento e manda soldados matarem todos os bebês de até 2 anos em Belém. Assim, José foge com a família para o Egito e depois vai morar em Nazaré, na Galileia, onde Jesus é criado.
"Não há nenhum relato, em qualquer fonte antiga, sobre o rei Herodes massacrar crianças em Belém, ou em seus arredores, ou em qualquer outro lugar. Nenhum outro autor, bíblico ou não, menciona isso", diz o teólogo americano Bart D. Ehrman no livro Quem Foi Jesus? Quem Jesus Não Foi?
No relato de Lucas, o anjo Gabriel vai à casa de Maria, em Nazaré, e lhe avisa que daria à luz um futuro rei. E que o "Filho de Deus" se chamaria Jesus. Maria era uma virgem prometida a José, e o anjo lhe explicou que o filho seria gerado pelo Espírito Santo. Lucas diz que naquela época, "quando Quirino era governador da Síria", um decreto do imperador Augusto obrigou os súditos a se registrar no primeiro censo do Império. Todo mundo devia retornar à cidade de origem para se alistar. Como os ancestrais de José eram de Belém, ele foi com Maria grávida para lá. Jesus nasceu em Belém pouco depois, e foi envolvido em panos na manjedoura. Lá o menino recebeu a visita de pastores e foi circuncidado aos 8 dias, para depois passar a infância em Nazaré.
"Os problemas históricos em Lucas são ainda maiores", diz Ehrman. "Temos registros do reinado de Augusto, e em nenhum deles há referência a um censo para o qual todos teriam de se registrar retornando ao lar dos ancestrais."
Ok, mas afinal por que Mateus e Lucas fazem Jesus nascer em Belém? Bom, de acordo com uma profecia do livro de Miqueias, do Antigo Testamento, o salvador viria de lá. Por que de lá? Porque era a cidade do rei Davi, o mais lendário dos soberanos de Israel.
Depois que o general Pompeu invadiu a Judeia, em 63 a.C., e fez dela província do Império Romano, os profetas passaram a dizer que um rei da linhagem de Davi inauguraria o "reino de Deus". Chamavam essa figura de "o ungido" - já que Davi e outros reis israelitas haviam sido ungidos com óleo. Os Evangelhos foram escritos em grego, o inglês da época. E em grego "ungido" é christos. O Cristo tinha que nascer em Belém. Yeshua provavelmente era de Nazaré mesmo.
Os Evangelhos, por sinal, são obra de autores desconhecidos. É apenas uma convenção dizer que foram escritos por Marcos (secretário do apóstolo Pedro), Mateus (o coletor de impostos), João (o "discípulo amado") e Lucas (o companheiro de viagem de Paulo). Além disso, os escritores não foram testemunhas oculares. "O autor de Marcos escreveu por volta do ano 70. Mateus e Lucas, de 80. E João, no final dos 90", diz Karen Armstrong. E claro: "Eram cristãos. Eles não estavam imunes a distorcer as histórias à luz de suas crenças", diz Ehrman. Afinal, "evangelho" deriva da palavra grega euangélion, que significa "boas novas". O objetivo dos autores não era escrever a biografia de Jesus, e sim propagar a nova fé. Levando isso em conta, chegamos a outra polêmica: os anos considerados como os mais conhecidos da vida de Jesus também são cheios de episódios misteriosos. Vejamos.
Yeshua sai da vida para entrar na Bíblia
Talvez tenha sido em busca de audiência que Yeshua rumou com os discípulos da Galileia para Jerusalém, por volta do ano 30 d.C. Depois de 3 anos pregando na periferia, já seria hora de atuar no palco principal.
Jerusalém era o pivô do fermento espiritual judaico, e milhares de judeus iam para lá na Páscoa. Os Evangelhos nos dizem que Jesus causou um tumulto no local, destruindo as banquinhas de câmbio (que trocavam moedas estrangeiras dos romeiros por dinheiro local cobrando uma comissão), já que seria uma ofensa praticar o comércio em pleno Templo de Jerusalém, o lugar mais sagrado da Terra para os judeus. Por perturbar a ordem pública, ele foi condenado à cruz. Parece historicamente sólido, mas o episódio central do Novo Testamento também é fonte de reinterpretações.
No julgamento, por exemplo, a multidão teria pedido que Barrabás, um assassino, fosse solto em vez de Jesus - já que era "costume" da Páscoa. Esse costume, porém, não é mencionado em nenhum lugar, exceto nos Evangelhos. Além disso, Jesus pode não ter sido exatamente crucificado, mas "arvorificado". É a teoria (controversa, é verdade) do arqueólogo Joe Zias, da Universidade Hebraica de Jerusalém. Suas pesquisas indicam que as vítimas dos romanos eram mais comumente crucificadas em árvores, pregando uma tábua de madeira no tronco para prender os braços do condenado. Seja como for, não há por que duvidar de que ele tenha sido executado. Roma usava e abusava do expediente para tentar manter o controle das regiões que conquistava. Segundo Flávio Josefo, historiador judeu do século 1, numa só ocasião 2 mil judeus foram executados
A história de Jesus não acaba aí, claro. "Alguns discípulos estavam convencidos de que ele ressuscitara. E que sua ressurreição anunciava os últimos dias, quando os justos se reergueriam das tumbas", diz Armstrong. Para esses judeus cristãos, Jesus logo retornaria para inaugurar o novo reino. O líder do grupo era Tiago, irmão de Jesus, que tinha boas relações com fariseus e essênios. E o movimento se expandiu. Quando Tiago morreu, em 62, Jerusalém vivia o auge da crise política. Em 66, romanos perseguiram os judeus com medo de uma insurgência. Os zelotes se rebelaram e conseguiram manter as tropas do Império afastadas por 4 anos. Com medo de que a rebelião judaica se espalhasse, Roma esmagou os revoltosos. Em 70, o imperador Vespasiano sitiou Jerusalém, arrasou o Templo e deixou milhares de mortos.
"Não temos ideia de como seria o cristianismo se os romanos não tivessem destruído o Templo", diz Armstrong. "Sua perda reverbera ao longo dos livros que formam o Novo Testamento. Eles foram escritos em resposta à tragédia."
Para os pesquisadores, então, os textos sagrados refletem a realidade da Judeia do final do século 1 - e não a do início, a que Jesus viveu de fato. Por exemplo: Barrabás personificaria os sicários, judeus que saíam armados de punhais para matar romanos na calada da noite, como uma forma de vingança pela destruição do Templo. E que por isso mesmo eram assassinos amados pela população.
Quer dizer: Barrabás seria um personagem típico da década de 70 d.C., inserido no episódio da morte de Jesus, fato que aconteceu na década de 30 d.C, num momento em que o ódio aos romanos e o louvor a quem se dispusesse a matá-los não eram tão violentos.
Até a época em que os Evangelhos foram escritos, o movimento de Jesus era apenas um entre as várias seitas judaicas. Os primeiros cristãos se diziam "o verdadeiro Israel" e não tinham intenção de romper com a corrente principal do judaísmo. Mas tudo mudou com a destruição do Templo.
Ela intensificou a rivalidade entre as facções judaicas. "Em sua ânsia por alcançar o mundo gentio (o dos não-judeus), os autores dos Evangelhos estavam dispostos a absolver os romanos da execução de Jesus e declarar, com estridência crescente, que os judeus deviam carregar a culpa", diz Armstrong. João, o Evangelho mais virulento, declara que os judeus são "filhos do Diabo" (João 8:44). Até o autor de Lucas, que tinha uma visão mais positiva do judaísmo, deixou claro que havia um bom Israel (os seguidores de Jesus) e um Israel mau - os fariseus.
A rixa com os fariseus tem lógica, já que eram competidores diretos dos judeus cristãos. "Num extremo do judaísmo estavam os saduceus, a ala mais conservadora. No outro, os essênios, a mais radical. Já os fariseus e os judeus cristãos estavam no meio. Eles lutavam pela mesma coisa: a liderança do povo, que estava entre as duas pontas", diz Crossan.
Não é surpresa, aliás, que os livros do Novo Testamento contenham tantas contradições entre si. "Quando os editores finais do Novo Testamento juntaram esses textos, no início da Idade Média, não se incomodaram com as discrepâncias. Jesus havia se tornado um fenômeno grande demais nas mentes dos cristãos para ser atado a uma única definição", diz Armstrong. Os Evangelhos atribuídos a Marcos, Lucas, Mateus e João seriam finalmente selecionados para o cânon da Igreja. Dezenas de outros evangelhos ficaram de fora.
Só no século 2, quase 100 anos após a morte de Jesus, começam a aparecer relatos sobre ele no centro do Império. Um deles é uma carta do político romano Plínio ao imperador Trajano. Plínio cita pessoas conhecidas como "cristãs" que veneravam "Cristo como Deus". Outra fonte é o historiador romano Tácito, que menciona os "cristãos (...), conhecidos assim por causa de Cristo (...), executado pelo procurador Pôncio Pilatos". Suetônio, que escreveu pouco depois de Tácito, informa sobre uma perseguição de cristãos, "gente que havia abraçado uma nova e perniciosa superstição". Uma "superstição" cuja mensagem convenceria cada vez mais gente, a ponto de, no século 4, o imperador romano em pessoa (Constantino, no caso) converter-se a ela. E o resto é história. Uma história que chega ao seu segundo milênio. Com 2 bilhões de seguidores.
Resumindo:
Antes dos 30, Jesus provavelmente teve a mesma formação religiosa dos judeus de sua época. Ou seja: seguia outro Jesus. Outro profeta. 16 anos
O jovem Yeshua (Jesus, em aramaico) tinha 4 irmãos homens e pelo menos duas irmãs mulheres. E cresceu na cidade onde nasceu: Nazaré. 20 anos
Ele pode não ter sido carpinteiro, mas pedreiro. O engano de 2 mil anos seria culpa de um erro de tradução. 28 anos Na Bíblia, o profeta João apenas batiza Cristo. O mais provável, porém, é que ele tenha sido o grande mentor do jovem Yeshua. 33 anos
Os romanos crucificavam em massa. E também usavam árvores como base. Esse pode ter sido o cenário da morte de Jesus.
Obrigado. Tenham paciencia ao ler e reflitam sobre o texto
Comentem e uma boa páscoa a todos os leitores e suas respectivas famílias ( desejando de novo mais tudo bem ) Vlw Leitores
Você Não se esqueça de comentar
Postagem e texto: @KioLima
Nenhum comentário:
Postar um comentário